quarta-feira, 13 de maio de 2009

A CORRENTE

A voz simpática do outro lado da linha tenta me transportar de volta ao passado:
- Estudamos juntas na faculdade. Quem me deu seu telefone foi a Celina.
- Sei...
- Eu sou a Silvia, lembra de mim?
- Não...
- Eu era da turma da Isabel...
- Ah...
- Outro dia fizemos 30 anos de formadas. Não pude ir ao encontro.
- Que pena...
- Estava pensando em almoçarmos juntas, eu, você e Celina...

Anoto na agenda um nome e um sobrenome que não me dizem nada, um telefone para contato e retorno aos meus afazeres. No dia seguinte, a colega volta a chamar.
- É a Silvia...
- Sei...
- Quando é que podemos almoçar juntas?
- Vamos ver, tenho uma vida muito agitada. O que é que a Celina combinou com você?
- Não combinou nada, só me deu seu telefone e disse para nós marcarmos o almoço. Ela aparece se der.

Desligo o telefone com vontade de estrangular a Celina por ter dado meu paradeiro para alguém que não vejo há 30 anos, que nem fazia parte do meu grupo mais chegado de colegas e com quem nem sei o que falar. Mas, domino meus sentimentos assassinos e volto ao projeto que me prende ao micro.

O telefone de casa toca bem no meio da novela preferida. Atendo com certa má vontade e é ela do outro lado da linha.

- Aqui é a Silvia...
- Sei...
- É que a Celina vai viajar, não vai poder almoçar conosco, vamos só nos duas.
- Sei... Mas , como você é mesmo? Loira ou morena?
- Na época eu era loira.
- Ah, seguiu a profissão?
- Não, me casei, morei fora do país por muitos anos, também morei no Sul, faz dois anos que voltamos. Tenho três filhos casados e você?
- Eu tenho um cachorro...
- Ah, meus filhos ficaram morando no Sul...
- O cachorro mora aqui comigo...

Nos dois dias que se seguem, tento dar tratos à bola. Por que essa procura ansiosa 30 anos depois? Se ela está querendo emprego, não tenho indicações. E se quer matar saudade da época, por que não procura a Isabel, que era do grupo dela? O que tenho para conversar com alguém de quem não tenho qualquer referência? Se nem da mesma turma de estudos éramos...Se ainda fosse a Isabel no telefone, a conversa fluiria mais fácil, com certeza. Mas quem era essa Silvia?

- Oi amiga, é a Celina, tudo bem?
- Olá, já voltou de Milão? Como foi de viagem?
- Divino, correu tudo às mil maravilhas. Tenho montes de coisas prá te contar.
- Celina, quem andou me ligando foi Silvia, diz que estudou conosco na faculdade, você deu meu telefone para ela?
- Ah, ela andou me procurando, não sei como conseguiu me encontrar, disse que queria matar a saudade da turma. Também não lembro dela....
- Eu mato você, Celina, essa mulher não desgruda mais do meu pé.
- Não encuca, ela também tentou fazer isso comigo, mas como eu ia viajar passei a ela os telefones de alguns colegas. Mas olha, não rompa a corrente não. Complemente a lista com outros contatos que logo ela está amolando outro...

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