quarta-feira, 20 de maio de 2009

POMPAS E POMPAS

Olhando bem, não faltava ninguém. O dono da rotisseria havia se postado na primeira fila para garantir uma melhor visão do espetáculo, sem se importar se àquela hora sua presença à frente dos negócios era importante ou não. Estava tão atento ao desenrolar dos acontecimentos que nem respondia aos cumprimentos da freguesia. Os atendentes da lanchonete se apoderaram do lugar mais privilegiado da calçada, bem junto à tipuana florida. Aventais que deveriam ser brancos amarrados na cintura, blocos de notas nas mãos, na certa levariam uma reprimenda quando voltassem aos afazeres. Os alunos do cursinho , que deixavam as salas de aula em constante algazarra, agora em silêncio amontoavam-se no páteo, qual prisioneiros bem junto às grades. A recepcionista do prédio de escritórios havia deixado suas funções de lado para não perder o que quer que estivesse sendo anunciado na rua, no que foi seguida pela telefonista, pelo auxiliar geral, pelo moto boy, pelo síndico e até pelo carteiro. E a dona da boutique do outro quarteirão subia apressada a pequena ladeira, como a não querer perder o início do espetáculo.

Os bombeiros tinham chegado sem muito alarde, não haviam sequer acionado a sirene, para desapontamento das crianças, e agora manobravam o carro vermelho e prata de tal forma que os carros que desciam a rua àquela hora reduziam a velocidade e percorriam aqueles poucos metros em fila indiana, um olho na pista e outro nas pessoas que se amontoavam na calçada .

- Está saindo fumaça do prédio, olha bem, lá no alto. Não consegue ver? Estica um pouco mais o pescoço, é à direita, viu agora?
- Ouve, ouve, é uma mulher gritando, está querendo se atirar do último andar. Parece que já matou o marido, está mantendo os filhos de reféns, que loucura, que Deus proteja esses pobres inocentes...
- Não, o problema não é no edifício, é na casa ao lado. É que entrou ladrão à noite, eu bem que percebi um movimento estranho, tinha perdido o sono e estava na janela do meu prédio, fumando..
- É verdade, as faxineiras - está vendo elas ali?- chegaram de manhã e encontraram uma das janelas aberta. Disseram que os ladrões fizeram um baita estrago, levaram até computador.
- Essa região é tão perigosa... Não lembra daquele assalto ali na esquina no último Natal?
- E aquele político corrupto que foi assassinado no hotel... Minha amiga estava fazendo as unhas quando os criminosos entraram pelo salão de beleza, apontaram as armas para todos e foram subindo as escadarias. Se ela saiu com as unhas feitas? Ah, moço, e é hora de fazer piada? Tenha dó...

Era uma tarde morna de abril, véspera de feriado prolongado, e quem estava ali não parecia ter muita pressa de ir embora. Os transeuntes iam parando e engrossavam a platéia que já era formada por crianças, estudantes, jovens com seus animais de estimação, donas de casa a caminho do supermercados, idosos em direção à farmácia. Os bombeiros montando com destreza a escada Magirus e as pessoas, do outro lado da rua, acompanhando atentamente cada um de seus movimentos.

Quando um dos bombeiros posicionou a escada em direção ao telhado da casa, eu juro que consegui ouvir um “ó” abafado, de admiração.

- Eu não disse que tinha entrado ladrão ? Ô, meu chapa, passa prá cá o fruto da sua teimosia, acertei a nossa aposta - gritou o dono da rotisseria para o rapaz da banca dos jornais, um dos últimos a chegar ao pedaço.
- Quando pegarem os ladrões, passa lá na loja, nossa promoção agora é prá valer, tem um vestido que é a sua cara - dizia a dona da boutique para a telefonista .

O bombeiro subiu os degraus, chegou bem perto de uma das janelas da casa, olhou de perto, olhou de longe e engatou uma marcha a ré. O “ó” cedeu lugar então a um “ué” desapontado que se prolongou até que ele encerrou sua marcha e passou a ajudar os companheiros a desmontar a escada. Os estudantes, então, não se contiveram e iniciaram a vaia que logo ganhou a adesão de toda a platéia presente ao evento.

Quando a Magirus, enfim, foi recolhida, o grupo iniciou a dispersão. A dona da boutique cercando a telefonista, que parecia não dar a mínima para o tilintar incessante dos telefones do prédio; o dono da rotisseria voltando aos negócios com cara de poucos amigos, a contabilizar, talvez, as esfihas não vendidas; o carteiro colocando sua mochila nas costas, a continuar plantando boas e más notícias em seu trajeto; o poodle do apartamento 115 a rosnar para o vira - latas do 212...

Quando um dos bombeiros passou por mim rumo ao carro, arrisquei a pergunta:

- Mas afinal, o que aconteceu?

E ele, ainda constrangido com as vaias recebidas por seu grupo e quase que se desculpando pelo cancelamento do espetáculo, me respondeu meio sem jeito:

- Era só uma pomba que parecia estar presa entre a veneziana e a grade da janela. Quando um de nossos colegas se aproximou com a Magirus para salvá-la, ela saiu voando...

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